terça-feira, 20 de novembro de 2007

Esses Vitrais

Os versos dele eram vitrais
versos de vidro
em capelas abstratas
figurando nada mais que vaidades da vida
- credos hialinos
como o fumo de uma vela acesa

Suas pretensões eram normais:
ser ouvido
não ser tão franco
não ser tão fraco;
não ser tão claro

Preces de granito em catedrais de concreto;
pretensões
os versos dele eram vitrais
e às vezes uma e outra pedra os estilhaçava
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Éverton Vidal
30/abril/2007

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Tardes Grises


Nunca escrevi teu nome na areia de alguma praia
Nunca desenhei corações
E as cartas que escrevi,
boa parte eram coisas de Camões
Originais mesmo só minha letra e alguns chavões

Não eram pra você aquelas canções
daquele violão
Mas pro medo do céu das tardes grises
Minhas crises, meus teatros
Teus reclames, meus retratos
Tudo agora faz algum sentido?

Odiava aqueles filmes, subentende-se
nunca fui romântico
Ao menos eu fingi que tentava fingir que tentava
tentar ser do jeito que você queria

No entanto teu mundo continuava a girar ao teu redor
e eu desorbitado me encontrava tentando me encontrar
escondido numa terra dos nuncas
Onde estou?
Tudo agora faz sentido?
Antes uma tarde gris que o nunca mais
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Éverton Vidal
05/junho/2007
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Imagem: "Amor a corazon abierto".

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Um Pouco de Silêncio

Estou cansado desses gritos, desses sinos, desses ritos
Clamores e mitos
Quero fazer um pouco de silêncio
Porque ficar fazendo sons indecisos
Incertezas imprecisas?
Inclusive vou parar de me mover
De escutar e de sentir se for possível
Mas não e, não fui, não sou
Isso e o que todos dizem
E eu sou apenas um momento
Apenas um momento e nada mais

Mas acenda o seu cigarro, o seu descaso
O seu desuso
Ligue o seu televisor
Corra nas ruas e buzine
Cante o hino do seu time
Desatine pra matar qualquer silêncio

Enquanto o último mendigo da esquina
E o primeiro apóstolo da América Latina
E os vinte pseudônimos do poeta que não quer identificação
Ficarão sentados, quietos, calados comigo
Escutando (se isso for possível)
Os suspiros do amor que não se cansa
Mas que foi posto de lado
Nesses dias desumanos tão armados
Eu me calo e até mais

Éverton Vidal Azevedo
16 de maio de 2007

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Ramal 19


Nuvens nômades, mangueiras
limão, abacate e banana
gotas de sol quente, chuva
poças de lama
galinha caipira no fogo
pato, gato e cachorro
boi no pasto mugindo
menina dormindo
vó Tonha inquieta
o mundo viajando com o vento
e o tempo cada vez mais lento
flores abelhas mosquitos
rede
espreguiço
homens trabalhando no mato
retrato
roupas penduradas no varal


minueto de Bach no radio a pilha
sinfonia com o canto dissonante do galo
com o piado dos pintos
e o assobio dos passarinhos
vida
muita vida
num canto do décimo nono ramal


Everton Vidal
14 de dezembro de 2006

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Pedro

Pedro caminha até o portão
são cinco da manhã de terça-feira
põe suas chaves no bolso de trás da calça
e se desvia de alguma poça de lama

Alcança a rua com um salto e se apressa
pra chegar lá na construção antes que o dia

Dá bom-dia pr’outro Pedro na esquina
onde espera aparecer a condução
quando ela passa
logo o sol já se acende
como uma ponta de cigarro no horizonte

Pedro pretende alguma vida (jovem Pedro)
mas essa vida pelo menos ele já tem

Pedro se apressa pra que chegue o meio-dia
hora que o sol é um deus irado
e desce ao mundo
pra comer feijão com arroz junto com os homens
ouve o mundo disparado
Pobre Pedro
afadigado,
deixa assim, deixa esse mundo como está

É fim-de-tarde
o Pedro e o sol são dois irmãos
Pedro pretende competir com o velho sol
cortando o mundo em duas partes
quase isso

Pega uma chave e abre a porta
Alguma vida ele pretende
E essa vida com certeza ele já tem.

Éverton Vidal

sábado, 8 de setembro de 2007

Andes


Elevo meus olhos para dentro de onde vieram esses montes?
Ninguém pode explicar.
Ninguém pode entender o que se passa no coração de outro alguém
(talvez nem no seu)
ninguém pode entender porque se engana o enganado
porque se trai o traído
porque se odeia o amado por também amar

Se o norte fosse o sul eu seria um atleta
E quebraria todos os records de contrariar a mim mesmo


Mas quem fez o Tietê correndo aparentemente contra o oceano
deve ter o que dizer sobre esses Andes
que se escondem como pulgas no meu ser

esses confusos, quem os entende?


E essa chuva que está caindo agora
nao é chuva, são efeitos especiais
e essas mascaras - que nada escondem
- são aquilo que escondem

Não vou explicar o que quero que descubram
não vou descobrir o que quero encoberto
não vou dizer nada tão barato que não valha um jornal


Mas se você quiser posso mentir
dizer que sei o que estou fazendo
que me conheço
que acredito em grande amor;
que odeio Hermeto Pascoal e já pensei em ser ator
e principalmente que não quero ser assim


Mas ouça o que lhe digo:
não pense que nao sei o que estou fazendo
pois a parte que lhe cabe é achar que sei
e quando você descobrir o quanto sou igual a todo mundo
vai descobrir também o que eles queriam dizer com"o tempo não pára",
ou seja,

que um dia ele vai parar para nós.



Éverton Vidal.
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Imagem: Andes de Maria Castro .

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Poema Triste


O cristo triste apático assiste
o corpo pálido e frio
cercado de almas cálidas
ouve-se choros de saudade e de remorso
enquanto o ócio (esse intrometido)
entre bolachas e cafés
começa a se apossar dos vivos

sons opacos
flores murchas
denso sentimentalismo no recinto
(Ah! Quão decepcionados ficaríamos se lêssemos pensamentos)

Amanhã, a morta rotina de antes
mas hoje
o cristo triste apático assiste
hoje mortos os vivos de amanhã
(ninguém parece reparar no cristo)
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Éverton Vidal
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Imagem: Crucifixo em prata com base em mármore de José Alves.